Acho que tudo tem uma
razão de ser, o Rivotril tem uma razão forte de permanecer na minha
vida. Drogas não estão aí por acaso. Eu não queria ser dependente
desse remédio, mas ele talvez me dê a segurança que o mundo não
dá, não falo de autoestima, falo de uma segurança de ter uma
verdade, aquela mesma verdade de Ana (do filme A Paixão de Ana), a
verdade que nós tentamos crer. Penso que o Rivotril me dá uma
verdade sobre o mundo, sobre mim, sobre o que sou, ele me deu um novo
modo de agir e me comportar, quando saio dessa realidade me sinto
enlouquecendo, como se eu perdesse a (minha!) verdade que rege a
minha vida. Sem ele eu não suportaria, pois com ele já é bastante
difícil, eu não deixo de sentir quando tomo esse remédio, eu só
fico mais alheio a minha própria desgraça e a desgraça que me
rodeia, quando a desgraça é enorme eu aumento a dosagem, e quando a
alienação do remédio não funciona mesmo em doses excessivas, eu
tento o suicídio.
Eu sou um significante
do Outro, então esta bom. Eu tomo um comprimido e me sinto bem,
logo, sentirei bem estar perto do Outro e terei bons significantes na
estrutura. Eu tomei meia dose, mas logo penso que tive um péssimo
dia, então deveria tomar a outra metade, isso vai se tornando uma
máquina caça-níquel na qual você insere cada vez mais moedas. E
sem controle!
Apesar do Rivotril a
minha vida não é fácil, tem coisas irremediáveis, há dores que
não cessam a não ser com o tempo, e talvez nem com este. Eu maldigo
o remédio o tempo inteiro, ele não resolve os meus problemas, ele
até me dá alguns, mas a segurança que ele me dá é a base que não
tenho, o mínimo que alicerça todo o ser humano.
Sou louco? Talvez não
um esquizofrênico, mas eu tenho graves problemas psicológicos. Eu
não consigo definir e abranger a complexidade que se dá na minha
mente, eu não existo em lugar nenhum, sou volúvel, meu humor varia
rapidamente, minha concepção sobre mim mesmo não é fixa. Não
pertenço a nenhum lugar, a ninguém, por isso me sinto desnorteado,
faço de tudo para ter a certeza que a alguém eu pertenço, que eu
existo em algum lugar, a prova que me valho e ver que estou em algum
lugar na vida de alguém, então existo pois me localizo.
As pessoas podem ter o
que quiser de mim, basta enxergar esse ponto e fingir que irão me
identificar. Gosto de identificações boas, de ocupar bons lugares
no simbólico, viro dependente de quem me dá uma identificação
valorosa. Acabo eu mesmo, me desvalorizando. Às vezes eu luto com as
pessoas embates psicológicos para ter essa boa valorização, eu
ordeno tê-la como uma necessidade de respirar; os outros não
entendem a minha luta e medem a mim por si mesmos, acabam me
atribuindo significantes mesquinhos, que no universo deles eles
imaginam, porque na verdade não se colocam no meu universo.
… (indo pegar a
outra banda de Rivotril) Hoje eu quase surtei, descobri um segredo de
alguém que sou muito próximo, era uma das coisas que eu nunca faria
na vida, era uma coisa que se eu falar demais vou me envolver e dizer
nas entrelinhas, porque isso me tirou a confiança e a verdade que eu
acreditava. Eu me coloquei no lugar dele e tentei de todas as formas
tentar me imaginar sendo exatamente construído como ele, até me
inseri em seu contexto sócio-histórico, tentei justificar o seu ato
perverso, até do conceito de perversão me afastei, tentei vê-lo
com olhos de pena, mas não sei se existem justificativas pra enganar
uma pessoa inocente. Eu tento enxergar o lado dele para não ter que
sentir o grito da decepção toda vez ao lembrar dele, faço isso
para a minha saúde mental, mas eu não consigo evitar o conflito
disto com a minha verdade, que considera hediondo o que ele fez. No
final das contas eu que mais me ferro nisso tudo, eu tento
racionalizar e justificar o que ele fez, mas o meu sofrimento
psíquico atrapalha a acepção total da minha racionalização, eu
estou entre duas instâncias tentando não enlouquecer ou me ferir o
menos possível.
Se o Rivotril fosse um
remédio milagroso e tirasse essa neurose eu me sentiria melhor, mas
ele não trata nada, é só uma muleta psíquica que preciso pra me
alienar e continuar andando, mas tratar um conflito interno ele não
trata. No meu conflito não há raiva, nem na posição relativista
nem na posição emocional, mas há um desgosto e uma pena tão
grande na posição emocional que eu me sinto sufocado. Mesmo que eu
emule o mundo dele e tente justificar, é impossível sair do próprio
mundo e abranger a totalidade do Outro, eu só suponho, quem viveu e
quem sabe por que faz é ele, eu nunca vou saber, então é difícil
aceitar porque a única ferramenta possível é a emulação de seu
mundo, não a vivência e apreensão dele, as quais influenciam muito
nessa anuência que eu preciso ter para acabar com esse conflito
interno. A variável “sentimento” e a variável “reprovação
da coisa que mais tenho horror” são importantes nisso, a união
dessas variáveis esta fazendo as minhas tentativas de relativização
serem infrutíferas, eu preciso me distanciar dele emocionalmente e
ser frio, talvez até ir contra a minha verdade.
Engraçado que estou
passando de modo inverso pela mesma coisa com uma menina, agora que
estou na posição dela eu consigo entender o porquê dela repreender
o que eu faço, e eu não devo cobrá-la. Faço uma coisa que ela
abomina e ela não consegue ter êxito em sua relativização, assim
como eu agora não estou tendo, penso que é porque ela se importa
comigo, pois é seu sentimento que atrapalha. Agora meu foco é me
distanciar emocionalmente dele, isso me ajudaria a resolver essa
questão, vou buscar na psicologia behaviorista métodos para isso,
eu preciso ser frio para resolver essa neurose ou vou acabar louco.
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